A era
Beckham
na Major League Soccer chega a seu ponto final. Contratado para mudar a
cara do futebol nos Estados Unidos em 2007, o astro inglês anunciou que
vai deixar o Los Angeles Galaxy ao término desta temporada, e a final -
em jogo único - da liga americana, às 19h30m (de Brasília), contra o
Houston Dynamo, neste sábado, em Los Angeles, vai formalizar esse adeus.
Não é possível quantificar o valor de um título nacional, mas a
importância do meia para o velho esporte bretão na Terra do Tio Sam pode
ser, até certo ponto, medida. O saldo que fica é uma MLS pré-Beckham e
outra pós-Beckham, assim como já acontecera com Pelé quatro décadas
atrás na NASL, precursora da Major League Soccer.
Beckham vai dar seu adeus ao Los Angeles Galaxy neste sábado, na final da MLS (Foto: Getty Images)
- A vinda de David Beckham à MLS pode ser vista por alguns como um dos
mais importantes momentos do futebol neste país e talvez na história do
esporte profissional - disse, ainda em 2007, na chegada de Beckham, o
comissário da MLS, Don Garber, uma espécie de diretor da liga americana.
Uma análise nos números atuais mostra que talvez Garber tenha exagerado
ao imaginar que a chegada de Beckham iria mudar a história do esporte
nos Estados Unidos. Mas, se não é para tanto, o fato é que o futebol
cresceu consideravelmente no país ao longo desse período. Basta ver
dados do que aumentou: salário de jogadores, média de público, números
de equipes, quantidade de atletas de renome ... Até as regras sofreram
alguns reajustes para se enquadrarem ao novo perfil que a liga buscava.
O legado de Beckham na MLS, por jornalistas e companheiros |
Leander Schaerlaeckens, jornalista do canal “Fox”, dos EUA.
"O Beckham deixa a liga muito melhor do que a que ele encontrou em
sua chegada. Muito mais gente sabe da MLS, não apenas nos Estados
Unidos, mas também ao redor do mundo. Isso acontece principalmente por
conta dele. Muitos americanos gostam de futebol. Muitos deles sempre
tiveram isso, antes mesmo da existência da MLS. Mas acho que o Beckham
ajudou a tornar mais fãs de futebol fãs da MLS e não apenas fãs da
Premier League e dos outros torneios europeus. Os salários mais que
dobraram, sete times chegaram e o nível de jogo melhorou visivelmente. A
presença de público está maior. A liga está florescendo.' |
Grant Wahl, jornalista da revista americana “Sports Illustrated”
"A MLS tem seis times a mais do que tinha em 2007 e tem planos de
colocar mais um time na cidade de Nova Iorque em breve. Surgiram novos
estádios de futebol em locais como Kansas City, Houston e Filadélfia. A
qualidade do futebol evoluiu. As coisas estão movendo numa direção
positiva. O Beckham ajudou, mas ele dificilmente é a única razão para a
liga ter melhorado." |
Juninho, meio-campista do Galaxy
"O clube vive muito em função dele, muita coisa mudou, e hoje temos
jogadores de renome como Donovan e Robbie Keane. Ele revolucionou um
pouco o futebol daqui. Antes, não tinha nada disso. Com ele, a liga
cresceu." |
Graham Parker, escritor especialista no futebol do país do jornal “The Guardian”. O
jogo na América se transformou durante o período de Beckham aqui. A
cultura de torcedores, a infraestrutura, a cobertura de televisão, o
financiamento para a construção de elencos. Tudo mudou em relação a
2007. Apenas esse último aspecto poderia ser atribuído diretamente para o
Beckham, no entanto, com a regra do 'Jogador Designado', permitindo uma
exceção para ser introduzido aos salários da liga, para acomodar os
grandes salários. Isso marcou o início de uma era de contratações
semelhantes, incluindo Thierry Henry e Robbie Keane. |
Maiores salários com Beckham
MLS 2007 |
MLS 2012 |
13 times |
19 times |
371 jogadores |
554 jogadores |
Média de salário anual: $104 mil por jogador |
Média de salário anual: $156 mil por jogador |
Média de 15,5 mil torcedores por partida |
Média de 18,8 mil torcedores por partida |
Valor para investir em um clube: $ 10 milhões |
Valor para investir em um clube: $ 100 milhões |
Alguns astros que chegaram na liga durante o período: Henry, Robbie Keane, Rafa Márquez, Cahill e Nesta. |
Para fazer esse balanço, é preciso voltar a 2006, quando a MLS criou a
"Designated Player Law" (Lei do Jogador Designado, numa tradução
literal), também apelidada de Lei Beckham. Explica-se. Como a liga do
país adota um teto salarial, foi preciso abrir uma brecha para que
atletas com vencimentos altos pudessem jogar por lá (na época, o valor
era de US$ 400 mil anuais - R$ 860 mil na cotação de 2006 -, embora a
regra tenha sofrido alterações ao longo dos anos e hoje, por exemplo,
aceite até três jogadores designados em cada time, ou seja, com salários
acima do teto), abrindo as portas para astros como o atacante francês
Henry, o zagueiro mexicano Rafa Márquez e justamente Beckham, o primeiro
de todos e, por isso, o apelido da regulamentação.
Este foi um primeiro passo para as mudanças financeiras que estavam por
vir. Na temporada de chegada do inglês à MLS, havia 371 jogadores
registrados no torneio. Somados - e isso inclui Beckham -, eles tinham
uma folha salarial de aproximadamente US$ 38,5 milhões por temporada
(pouco menos de R$ 73 milhões na cotação da época), média de cerca de
US$ 104 mil anuais (R$ 197,5) - com bônus e premiações, esse valor
cresce em US$ 10 mil (R$ 19 mil).
Ao fim da era Beckham, tais números registram um crescimento
considerável. Com 554 jogadores inscritos, o salário anual de todos eles
juntos sobe para US$ 86,5 milhões (R$ 181 nos valores atuais), mais que
o dobro do registrado em 2007. Também é verdade que o número de atletas
cresceu. Ainda assim, a média tem uma alta considerável, indo para US$
156 mil (R$ 326 mil na cotação de hoje) por temporada - US$ 179 mil (R$
374 mil), com bônus e premiações. A razão para tal mudança? Muitos
colocam a “culpa” em Beckham, ao explicar o legado deixado pelo astro
nos Estados Unidos.
Da esquerda para a direita, o meia na apresentação em 2007, em 2009 e já no fim da jornada (Getty Images)
- O Beckham deixa a liga muito melhor do que a que ele encontrou em sua
chegada. Muito mais gente sabe da MLS, não apenas nos Estados Unidos,
mas também ao redor do mundo. Isso acontece principalmente por conta
dele. Muitos americanos gostam de futebol. Muitos deles sempre tiveram
isso, antes mesmo da existência da MLS. Mas acho que o Beckham ajudou a
tornar mais fãs de futebol fãs da MLS e não apenas da Premier League e
de outros torneios europeus. Os salários mais que dobraram, sete times
chegaram e o nível de jogo melhorou visivelmente. A presença de público
está maior. A liga está florescendo - diz o jornalista Leander
Schaerlaeckens, da “Fox”, dos Estados Unidos.
A mesma posição positiva quanto à chegada de Beckham tem o também
jornalista Grant Wahl, da revista americana “Sports Illustrated”, embora
ele valorize outros itens além do crescimento salarial - considerado
pequeno, na sua opinião. Ele ressalta que o aumento no número de equipes
(de 13, em 2007, para 19, em 2012) é um avanço, além de outros
atributos que tornaram a liga mais conhecida tanto dentro quanto fora
dos Estados Unidos.
- A MLS tem seis times a mais do que tinha em 2007 e tem planos de
colocar mais um time na cidade de Nova Iorque em breve. Surgiram novos
estádios de futebol em locais como Kansas City, Houston e Filadélfia. A
qualidade do futebol evoluiu. As coisas estão movendo numa direção
positiva. O Beckham ajudou, mas ele dificilmente é a única razão para a
liga ter melhorado - acrescenta Wahl.
Público, estrelas e o substituto
Juninho diz que Beckham revolucionou um pouco
o futebol dos Estados Unidos (Foto: Getty Images)
A média de público também teve sua alta. Em 2006, esse número era de
15,5 mil torcedores por partida, enquanto atualmente é de 18,8 mil, um
recorde na história da liga. Se consideradas todas as ligas
profissionais dos Estados Unidos e Canadá, este seria o quarto maior -
atrás apenas de NBA, NFL e MLB. Numa comparação com campeonatos de
futebol de outros países, a MLS é a oitava do mundo, à frente até da
elite brasileira (14ª no ranking), segundo levantamento feito pelos
sites “ESPN Soccernet” e “worldfootball.net”. A torcida do Seattle
Sounders FC é a mais “fiel”, com média de 43.144, enquanto o Galaxy vem
em seguida, com 23.136.
O preço para ser proprietário de um clube também aumentou. Segundo a
“BBC”, o valor atual é de US$ 100 milhões (R$ 209 milhões nos valores
atuais), enquanto há cinco anos o mesmo investimento saía por US$ 10
milhões (R$ 19 milhões na cotação da época). Isso sem falar da extensa
lista de atletas de renome que chegaram ao futebol dos EUA: o atacante
francês Henry, o irlandês Robbie Keane, o zagueiro mexicano Rafa
Marquez, o meia australiano Tim Cahill, o zagueiro italiano Nesta...
- O clube vive muito em função dele, muita coisa mudou, e hoje temos
jogadores de grande nome como Donovan e Robbie Keane. Ele revolucionou
um pouco o futebol daqui. Antes, não tinha nada disso. Com ele, a liga
cresceu - disse o brasileiro Juninho, companheiro de Beckham no Galaxy e
vinculado ao São Paulo.
Beckham chegou ao Galaxy em 2007 para mudar a cara do futebol local (Foto: Getty Images)
Beckham ainda não definiu qual rumo vai tomar após o fim de jornada na
Terra do Tio Sam. Até agora, o novo técnico do Queens Park Rangers,
Harry Redknapp, foi quem mostrou um interesse mais incisivo no meia
publicamente. Certo mesmo é que a MLS ficará órfã do craque. E desde já
se procura um substituto. O nome de Kaká foi especulado na última janela
e é uma possibilidade que agrada a ala brasileira do elenco do Galaxy.
- Quem sabe o Kaká pode ser um substituto do Beckham. É um excelente
jogador, ídolo brasileiro. Ideal para um clube que quer crescer. Com a
saída do Beckham, ele traria visibilidade para a liga. Já como jogador
ficaria um pouco escondido, principalmente por conta da televisão daqui -
completou Juninho.
Beckham dentro de campo
David Beckham tem 98 jogos na MLS, com 18 gols
marcados; no sábado, a despedida (Foto: AFP)
Beckham foi apresentado no clube americano em julho de 2007 e estreou
em um amistoso contra o Chelsea. De lá para cá, o ex-capitão da seleção
inglesa participou de 98 partidas na MLS, com 18 gols marcados na
competição. O problema é que, apesar do status de astro maior, nunca
faturou o prêmio de craque da liga e apenas uma vez, em 2011, figurou
entre os 11 melhores do torneio.
Conta a favor do meia o fato de ele ir para sua terceira final de MLS -
e desta vez como atual detentor do título, vencido, na última
temporada, justamente sobre o rival deste sábado, o Houston Dynamo, após
vitória na final por 1 a 0 em 2011. O resultado, sobretudo, serviu para
melhorar a imagem do Beckham jogador, que muitas vezes é julgado por
não apresentar em campo os mesmos resultados obtidos no marketing
pessoal.
- Beckham teve alguns bons jogos com o Galaxy e foi um dos melhores
jogadores da liga em 2011. Ele também está prestes a vencer a MLS
durante os seus dois últimos anos de Galaxy. Os torcedores da equipe
começaram a gostar mais dele nessas duas últimas temporadas, porque ele
pareceu colocar o time como sua prioridade - afirmou Grant Wahl.
- Suas atuações foram muitos ruins a princípio. Ele se machucou demais e
não parecia estar muito interessado. Nos últimos três anos, isso mudou.
Neste ano, ele fez sete gols e deu nove assistências. Uma boa
temporada. Seu jogo melhorou em seu período aqui - finalizou Leander
Schaerlaeckens.
Se o Beckham jogador tem lá suas ressalvas e foi deslanchar no futebol
dos EUA apenas de duas temporadas para cá, o David do dia a dia só
recebe elogios dos companheiros.
Brasileiro elogiou convívio com Beckham fora das quatro linhas: 'tranquilo e humilde' (Foto: Getty Images)
- O Beckham é uma pessoa muito tranquila e humilde. Quando você o
conhece, não parece ser esse astro que todo mundo conhece em público. É
um cara muito família, que traz os filhos sempre no treino. Uma pessoa
muito simples, que treina igual a todos. Ele também gosta muito de
brasileiro e conta histórias de Real Madrid, do Ronaldo e do Roberto
Carlos - contou Marcelo, outro brasileiro da equipe de Los Angeles, que
deixou o futebol brasileiro aos 21 anos antes de passar pelo futebol de
países como Suécia, Polônia e Costa Rica.
Corrida pelo título
Fundada em 1996, como parte do projeto que levou a Copa do Mundo até os
Estados Unidos em 1994, a MLS está em sua 17ª edição. Sem vencer desde
2004, o D. C. United, dono de quatro canecos, é o maior campeão, seguido
pelo Los Angeles Galaxy, com três, e Houston Dynamo e San Jose
Earthquakes - ambos com dois. Com tal quadro, Beckham tem a chance de
deixar a equipe californiana como maior detentora de títulos no país ou,
do outro lado da moeda, permitir que os rivais figurem como uma ameaça
real à soberania do Galaxy.