Independente de qualquer contextualização política, é difícil não enxergar sabedoria na frase de Vladimir Lênin, segundo quem “às vezes é preciso dar um passo para trás, para então poder dar dois à frente”. Aparentemente, foi um pensamento assim que norteou a decisão de Júlio Baptista de largar a Roma no final de 2010 e assinar com um clube modesto como o Málaga – que àquela altura ocupava a zona de rebaixamento do Campeonato Espanhol.

Mas só aparentemente. Nem tente convencer o brasileiro de que a volta à Espanha teve qualquer coisa de passo para trás. “Eu não vinha sequer jogando na Roma. Como é que poderia ficar pior do que isso?”, argumenta ele numa conversa com o FIFA.com. “Essa minha reaparição foi incrível. Era justamente o que eu queria: ter oportunidade de jogar, como protagonista.”

E isso, de fato, Júlio fez: jogou e foi peça central de uma sensacional recuperação do Málaga na Liga. Em 11 partidas que disputou na temporada, ele marcou nove gols, sete deles numa série de cinco vitórias consecutivas que alçou a equipe andaluza à 9ª colocação a uma rodada do final – jogo diante do Barcelona do qual o brasileiro, com uma contratura muscular, não vai participar.

Tanto sucesso individual e coletivo em tão pouco tempo pode parecer surpreendente, mas de alguma forma fazia parte dos planos do brasileiro. Não se trata de que, para ter chance de jogar, ele teria aceitado ir para qualquer clube. “Quando cheguei, claro que havia incerteza, pelo fato de a equipe estar entre as últimas colocadas, mas logo eu percebi que existe um projeto claro a médio prazo, de aproximar o Málaga dos grandes da Espanha e, em seguida, partir para brigar por ainda mais; disputar a Champions. E era um projeto em que eu seria peça fundamental.”

Muitos técnicos, poucas chances
Uma coisa, no entanto, é certa: ver Júlio Baptista com uma camisa como a do Málaga chama a atenção. Porque, desde que deixou o Sevilla em 2005, o meia não fez outra coisa senão atuar em gigantes do futebol mundial: Real Madrid, Arsenal e Roma. Em nenhum deles jogou mal, mas também não chegou a fazer carreira e se fixar como titular.

“Infelizmente, me faltou continuidade. Durante o tempo em que estive no Real Madrid, o clube viveu muita instabilidade: passaram quatro treinadores diferentes. Aí é difícil que alguém tenha uma ideia clara do seu futebol. Até que chega alguém que não conta com você, como era o caso do (Fabio) Capello comigo. Fui para o Arsenal, me adaptei e queria ter ficado lá. Mas o Real Madrid pediu 15 milhões de euros, e o Arsène Wenger foi muito honesto comigo: disse que tinha interesse na minha permanência, mas que, sob aquelas condições, era impossível. Voltei a Madri, fui campeão e então chegou a proposta da Roma. O (Luciano) Spalletti contava comigo e eu jogava sempre, até que, de novo, houve troca no comando (Claudio Ranieri assumiu em setembro de 2009), eu me lesionei e a situação voltou a ficar instável.”

Enquanto Júlio vivia esses altos e baixos, de um clube tradicional para outro, o elenco do Sevilla de cuja formação ele participou como um dos grandes destaques se consolidou. Pouco depois de sua saída, a equipe conquistou o bicampeonato da então Copa da UEFA (2005-06 e 06-07) e a Copa do Rei (2006-07). A palavra “arrependimento” não foi usada nenhuma vez na conversa, mas o brasileiro é sincero e inteligente o suficiente para enxergar a falta de timing com que a grande mudança de sua carreira aconteceu. “Hoje, olhando para trás e analisando minha carreira, vejo que, se esperasse mais um ou dois anos antes de sair do Sevilla, estaria mais preparado”, admite o jogador de 29 anos. “Mas, por outro lado, quando chega uma grande proposta de um clube como o Real Madrid, é impossível você não olhar com carinho e se dispor a aceitar.”

Uma vez volante, sempre volante?
Mesmo diante da instabilidade, os momentos bons de Júlio Baptista foram tantos que ele nunca deixou de ser opção para a Seleção Brasileira. Foram mais de 30 convocações – inclusive para a Copa do Mundo da FIFA África do Sul 2010 –, embora nem sempre elas tenham vindo acompanhadas de respaldo por parte do torcedor brasileiro.

Porque o próprio jogador admite que é mais admirado na Europa do que no Brasil. E isso não apenas porque deixou o país muito cedo – em 2003, aos 21 anos -, mas porque, quando o fez, foi como um volante de contenção voluntarioso do São Paulo. Alguém que, pela polivalência, às vezes era usado numa posição adiantada. “Foi só mesmo na Europa que eu mostrei meu verdadeiro valor e que me consolidei na posição de meia ofensivo”, conta ele. “Só que, até pouco tempo atrás, quando me colocavam para atuar pela Seleção ou me viam marcando gols, eu ouvia ‘ah, mas o Júlio é volante’. E, no entanto, faz anos que eu jogo como meia ofensivo e foi assim que conquistei um nome no futebol europeu.”
Entre os desandos dos clubes por que passou na Europa e a imagem distorcida que muitas vezes se tem dele no Brasil, seria fácil para Júlio Baptista se sentir injustiçado. Só que o paulistano prefere enxergar as coisas de outra maneira. “Injustiçado? De jeito nenhum. A sorte, o imponderável, isso faz parte da equação em qualquer carreira. Mas, se você trabalha duro, as coisas acabam se acertando de alguma forma”, diz Júlio. “Foi assim até hoje para mim, e é por isso que eu sempre procurei olhar para a frente, porque nunca tirei da cabeça que tenho o potencial.” Assim: só para a frente. Sem nunca precisar dar um passo sequer para trás.