Quando falamos das rivalidades mais famosas e duradouras do futebol, até mesmo os mais fanáticos pelo esporte bretão pensariam na Europa e na América do Sul, terrenos férteis em grandes clássicos. Poucos, porém, se lembrariam da Ásia ― e muito menos da Índia. Ainda assim, a rivalidade entre o Mohun Bagan e o East Bengal, da cidade de Calcutá, certamente merece um lugar na lista de jogos obrigatórios para os amantes da modalidade que tenham uma visão mais global. Com 86 anos de existência, o dérbi é um dos pontos altos do calendário esportivo anual. Um enorme público abarrota o Estádio Salt Lake ― um verdadeiro caldeirão que está entre as maiores arenas do mundo. Dependendo da classificação de cada equipe no campeonato, o local pode receber até cem mil espectadores. Por isso, detém o recorde de público em eventos esportivos no segundo país mais populoso do mundo.
As origens
O Mohun Bagan é dos clubes mais antigos da Ásia. Foi fundado em 1889 em Calcutá, nordeste da Índia. A considerável influência britânica naquela que até 1911 foi a capital do país garantiu que o futebol florescesse na cidade, atraindo jogadores de outras regiões. Nesse cenário, se estabeleceu a rixa atual.
Como em tantas outras grandes rivalidades, uma cisão ― indireta, neste caso ― deu origem ao maior adversário do Mohun. Em meados da década de 1920, a equipe enfrentou o Jora Bagan, que entrou em campo sem o seu principal craque, Sailesh Bose, para desagrado do vice-presidente da instituição, o empresário industrial Suresh Chandra Chaudhuri. O inconformismo do dirigente foi tamanho que ele decidiu criar um clube. Assim nascia o East Bengal. Tanto Chaudhuri quanto os outros fundadores da nova instituição eram originários da província de Bengala Oriental ― hoje, basicamente território de Bangladesh. Por isso a equipe acabou tendo os imigrantes daquela região como torcida. Assim, cada time era apoiado por diferentes grupos socioeconômicos, ainda que essa situação tenha mudado significativamente com o tempo.
O clássico inaugural aconteceu em 1925, válido pela liga de Calcutá, e terminou com a vitória do East Bengal por 1 a 0. O placar se repetiu no primeiro confronto válido pela prestigiosa Copa do Escudo da Federação Indiana, na semifinal de 1944.
Aquele triunfo do East Bengal foi bastante doloroso para o Mohun Bagan, clube de histórica e profunda relação com o torneio. A equipe verde e grená havia conquistado o troféu pela primeira vez em 1911, quando derrotou o Regimento de Yorkshire Oriental por 2 a 1, na primeira vitória de uma equipe indiana sobre uma europeia. Aquele triunfo foi considerado um marco esportivo na luta do país pela independência e é celebrado anualmente em 29 de julho, o "Dia do Mohun Bagan". A importância daquele resultado é tão grande que os correios da Índia lançaram um selo comemorativo da vitória em 1989, no centenário do clube.
Estatísticas do duelo
Apesar de as cifras da disputa serem contestadas, o East Bengal leva uma clara vantagem sobre o arquirrival, ainda que o Mohun Bagan tenha se dado melhor nos últimos anos. No período mais recente, o ídolo da seleção da Índia Baichung Bhutia marcou o maior número de gols do clássico. O atacante conseguiu estar acima da divisão futebolística da cidade, vestindo a camisa dos dois clubes. Em uma inesquecível partida de 1997, ele marcou três gols ― o primeiro a conseguir o feito em tempos atuais. Porém, foi superado em 2009 pelo nigeriano Edeh Chidi, que não só se tornou o primeiro estrangeiro a balançar as redes em três ocasiões diferentes, como ainda estabeleceu o recorde de gols de um mesmo jogador na história do clássico ― quatro em um só jogo.
Histórias de clássicos passados
A década de 1960 foi o período de ouro do Mohun Bagan e terminou de maneira perfeita para os "marinheiros", apelido carinhoso da equipe. Após a conquista do campeonato nacional, o Mohun venceu também a Copa do Escudo, derrotando na decisão ninguém menos do que o East Bengal, na casa do adversário. Aquela vitória por 3 a 1 foi creditada à então revolucionária tática 4-2-4 utilizada pelo inventivo técnico Amal Dutta.
Mas, como em qualquer rivalidade, a maré acabou virando. Assim, na década seguinte, o East Bengal viveu os seus melhores tempos. O clube ficou invicto no clássico por seis anos, chegando a conquistar a Copa do Escudo com uma goleada por 5 a 0 sobre o principal adversário. Essa vitória ― a mais contundente do clássico ― representou também o pentacampeonato da equipe aurirrubra no torneio. A humilhação pela derrota foi tamanha que houve notícias de um suicídio por conta do resultado, enquanto vários jogadores do Mohun Bagan tiveram de passar a noite escondidos em um barco no rio Ganges para escaparem da fúria da traumatizada torcida.
O clássico mais memorável de todos provavelmente aconteceu em 1997, quando uma multidão de 131 mil pessoas ― recorde de público para qualquer esporte na Índia ― lotou o Estádio Salt Lake. Bhutia, jogador mais conhecido do país, roubou a cena marcando três gols no triunfo do East Bengal por 4 a 1, na partida válida pelas semifinais da Copa da Federação. Porém, o atacante não conseguiu repetir a proeza na decisão e o clube acabou perdendo para o Salgaocar.
Na atualidade
Apesar de a tradicional inimizade ter diminuído, a paixão e a rivalidade entre os dois grandes da capital histórica do futebol indiano continua viva. O domínio no clássico vem oscilando ultimamente, mas o Mohun Bagan chegou a vencer oito partidas seguidas entre 2005 e 2008. Embora nenhum dos dois clubes tenha vencido a recém-criada I-League nos três anos de existência da competição, quem leva vantagem nos confrontos mais recentes é o Mohun.
Neste sábado, acontece mais uma edição do clássico de Calcutá. Uma vitória, no entanto, daria ao East Bengal mais do que a possibilidade de ironizar o adversário. Atualmente em terceiro no campeonato, o clube pode entrar na briga pelo seu primeiro título. Seria outro capítulo emocionante na rivalidade mais duradoura do futebol indiano.