No anúncio da aposentadoria, no dia 14 de fevereiro, Ronaldo só conteve a emoção no início da entrevista coletiva e, como era esperado, desabou ao lembrar de seus últimos momentos como jogador e das dores no corpo que o impediram de continuar. Quase quatro meses depois, o maior artilheiro da história das Copas do Mundo da FIFA volta aos gramados para se despedir da Seleção Brasileira, sem, no entanto, prometer gols. Contra a Romênia, no Pacaembu, o dono da festa sabe que a noite será, sim, de muitas lágrimas.
   Frio e calculista como poucos na frente dos goleiros, Ronaldo nunca foi de esconder o que sentia. E o choro foi, em diversos momentos de sua carreira, a forma encontrada para extravasar. Nesta terça, ele mesmo sabe que será difícil de se conter quando estiver novamente no estádio onde desfilou nos dois últimos anos, reverenciado pela torcida do Corinthians. “Vai ser muito emocionante, de arrepiar, de chorar”, apostou ele, em entrevista ao canal Sportv. “A Seleção representa muito para mim, tenho uma identificação tão grande que não tem como me separar definitivamente.”
   Para chegar ao topo, Ronaldo foi confrontado desde cedo com situações de extrema pressão. E, se soube lidar com elas na maioria das vezes – como quando precisou abdicar do sonho de jogar no Flamengo por não ter dinheiro para pagar a condução –, em outras simplesmente não aguentou. A incrível ascensão no Cruzeiro, no PSV, no Barcelona e na Seleção o transformou em herói, mas foi em 1998 que o mundo descobriu o lado humano por dentro de uma máquina aparentemente perfeita.
   Antes da final contra a França, a pressão não se transformou em lágrimas, mas, ainda pior, em uma crise nervosa que tirou as forças da grande esperança do país. Já na Internazionale, foi impossível se segurar em outras três ocasiões. Na última delas, em 2002, a perda do título italiano na rodada final contra a Lazio o fez chorar copiosamente já no banco de reservas.
   Antes, as lágrimas haviam sido de dor: na primeira grave lesão no joelho direito, em 1999, e depois na segunda, no mesmo joelho, exatamente quando retornava aos gramados em 2000.
   “Vi muitos diagnósticos desesperadores, de ir para casa e chorar”, lembrou, na mesma entrevista. “Ele (médico) me disse que, com sorte, eu voltaria a caminhar bem e dar um trotezinho. Nesse dia eu chorei muito.” A máquina estava desgastada, mas Ronaldo daria mais uma de suas voltas por cima, talvez a mais bela, ao superar a desconfiança e ser a estrela do pentacampeonato mundial com a Seleção, erguendo a taça e exibindo um largo sorriso que também o caracterizou.
Emoção no adeus
   
Na vida pessoal, nos casamentos e separações ou nos clubes badalados por onde passou, como o Real Madrid, Ronaldo sempre encontrou uma forma de driblar o insucesso e as críticas. De volta a Milão, após superar em 2006 o recorde de Gerd Müller com 15 gols em Mundiais, tentou como pôde se manter em alta, mas, novamente, não houve como. As cenas dramáticas de oito, nove anos atrás – mãos no rosto e no joelho e expressão de dor – se repetiram, mas com um uniforme diferente: o rossonero do Milan.
   Na volta ao Brasil, o Corinthians o acolheu apostando mais na força de sua imagem e teve uma agradável surpresa com o bom futebol resgatado. Assim, vieram os títulos, a idolatria de uma torcida apaixonada e a alegria por poder fazer de novo o que mais gostava. Por outro lado, vieram também as exigências por mais conquistas e ele, aos 34 anos, não as suportou. O difícil controle do peso, as seguidas lesões e o duplo fracasso na tentativa de conquistar o sonhado título da Libertadores minaram a resistência mesmo de alguém nascido com as “costas largas”, como ele gostava de dizer.
   Nos últimos momentos antes da aposentadoria, Ronaldo se comoveu pela penúltima vez diante das câmeras ao comentar sobre uma possível falta de comprometimento em treinos. E antes de tomar a decisão, passou pelo velho ritual. “Nos últimos dias chorei como um neném”, revelou na véspera do anúncio oficial. “São as dores no corpo. A cabeça até quer continuar, mas o corpo não aguenta mais. Penso em uma jogada, mas não a executo como quero. Está na hora.”
   No dia 14 de fevereiro, Ronaldo esteve pela última vez sob pressão e tirou um enorme peso que o incomodava. Longe dos gramados, não se desligou totalmente do futebol. Pelo contrário, iniciou com a mesma rapidez dos velhos tempos sua nova carreira, como sócio de uma agência de marketing esportivo.
   Teve tempo ainda para receber outras homenagens, como a do Real Madrid ou da própria Seleção, antes do jogo contra a Escócia, e até aceitar convite para se aventurar nos cinemas.
   Para o jogo desta terça, se preparou sem as mesmas exigências da época de jogador. E não fez nem questão de esconder as dificuldades de se manter em forma. “Está difícil. Tenho treinado, mas ainda sofro com as velhas lesões. Treino uma vez e fico um dia de repouso”, disse. “Mas está indo tudo bem, será só uma despedida, poucos minutos. Tenho certeza que vai ser uma grande festa.” Por tudo que passou e pelo que fez pelo futebol, Ronaldo merece esta despedida, mesmo que ela seja regada a lágrimas. E se elas vierem, ao menos todos saberão que, desta vez, terá sido por algo especial.