O argentino Claudio Borghi sempre entendeu de desafios. Desde pequeno, depois de encarar a morte prematura do pai, foi moldando a personalidade ao lado dos irmãos, correndo atrás de uma bola. Mais tarde, mostrou o seu valor como jogador profissional, brilhou com a camisa do Argentinos Juniors, ganhou a Copa do Mundo da FIFA México 1986 e chegou a defender clubes como o River Plate, o Milan e o Flamengo.
Agora, aos 46 anos, ele se prepara para assumir dois desafios ainda maiores como técnico do Chile: a Copa América e o começo das eliminatórias para o Brasil 2014. Enquanto finaliza os detalhes para as estreias, o substituto de Marcelo Bielsa falou com exclusividade ao FIFA.com sobre o legado do seu antecessor, a volta à Argentina para a disputa do torneio continental e a comparação existente entre Alexis Sánchez e Lionel Messi. Sem rodeios, no seu melhor estilo.
FIFA.com: Você disse em uma ocasião que dirigir o Boca Juniors era como "fazer sexo com a janela aberta", porque nunca havia intimidade. Tomando isso como referência, como é comandar o Chile?
Claudio Borghi:
Quando disse isso, me referia ao que se fala dentro do elenco. E, bem, o Boca dava essa impressão. Se tudo que se fala sai na imprensa, então é um grande problema ficar confirmando ou desmentindo as coisas todos os dias. O Boca é uma equipe que gera muitas notícias, com 15 jornalistas no mínimo acompanhando cada treino. Por isso, quando você acorda de manhã, precisa abrir os jornais e começar a ver o que terá de desmentir. Com a seleção chilena é diferente. Não tivemos nenhum problema de que se falassem de assuntos internos. Quando toco nesses temas, falo de conversas que tive com os jogadores. Na seleção acontece de tudo porque, quando se dá uma notícia, ela é interpretada da forma mais conveniente pelo veículo que a publica.
Falando da seleção chilena, como você avalia o crescimento dos jovens jogadores que passaram pelas suas mãos no Colo Colo e que agora o reencontraram nesta nova etapa?Em alguns casos, já se passaram quatro ou cinco anos. Em outros, menos, mas todos amadureceram bastante. Quem mais chama atenção é o Alexis Sánchez, que era um garoto de 17 anos e hoje tem 22, e claramente mudou.
Em relação a Sánchez, você disse há algum tempo que ele poderia chegar a ser melhor que Messi...O Aléxis está em um momento muito importante do seu amadurecimento como jogador. Acredito que, na atualidade, está entre os dez melhores jogadores do mundo. Às vezes a vantagem, ou desvantagem, são os companheiros que se tem na equipe. As comparações sempre são detestáveis, mas gostaria de vê-lo em uma equipe como o Barcelona, que sai para o ataque. O que não quer dizer que na sua equipe atual não se faça isso, mas o estilo de jogo é muito diferente. Assim, comparar um jogador que defende uma equipe pequena com outro de um time grande e poderoso é complicado. Mas gostaria de vê-lo em um clube que tem pretensões de título e onde se ataque mais.
Como as comparações com o trabalho realizado por Marcelo Bielsa afetam o seu trabalho?No Chile, o futebol existia antes do Bielsa e existirá depois do Borghi. Alguns técnicos fizeram um grande trabalho e outros não foram tão bem. Às vezes o sucesso é medido pelas conquistas. Nem todo mundo consegue ser campeão. É o caso do Bielsa, que não foi campeão, mas fez um trabalho muito bom. Não vou negar o que ele fez, mas também não posso ficar pensando sempre nisso, porque tenho que fazer o meu trabalho. As comparações sempre existem, isso é algo que não vou mudar. Seria injusto que se esquecessem do Bielsa por tudo que ele fez, mas também não é tarefa minha fazer que se esqueçam. A minha tarefa é fazer bem o meu trabalho e que as coisas deem certo. Isso acontece em todos os lugares.
Ao chegar à seleção, você disse que Bielsa deixou menos do que o esperado. Quais eram as suas expectativas e o que encontrou de fato?Respeitamos muito o trabalho dos outros. Falava-se muito do que havia: vídeos, fichas, tecnologia... Mas o fato é que não havia mais do que encontramos. A informação não era muita, tivemos de começar do zero. Por isso, passamos a fazer o trabalho sem comparar com nada. Não era nem melhor, nem pior.
Existe algum jogador estrangeiro que você gostaria de ter na seleção chilena?É preciso ter cuidado com isso. Sou contra os estrangeiros que se naturalizam só pelo interesse de jogar futebol. Quem se torna chileno tem de tomar essa decisão por agradecimento a um país que o recebeu ou onde ele esteve. Depois veremos se ele joga ou não. O único grande pecado que o Chile cometeu nos últimos anos é que o Lucas Barrios (argentino naturalizado paraguaio, atual jogador do Borussia Dortmund) não tenha se naturalizado depois de passar tantos anos no país.
A próxima Copa América na Argentina será o seu primeiro torneio oficial no comando do Chile e acontecerá justamente no seu país natal. Como acha que a torcida e a imprensa locais o receberão, depois de você ter sido campeão pela seleção e ter treinado clubes importantes?Na Argentina, as pessoas precisam entender que vou fazer um trabalho que é muito agradável e em um país ao qual sou muito grato. Haverá quem me receba bem ou mal, mas sempre fui muito respeitado, porque sempre fui muito respeitoso. Nos clubes que comandei sempre me trataram bem, mas não posso esperar chegar sob aplausos. Farei o meu trabalho e estou muito orgulhoso de ter essa nova oportunidade de representar um país onde não me sinto um estranho, e sim muito confortável. Sempre digo que sou 50% chileno, porque vivi a metade da minha vida lá.
Falando das eliminatórias para o Mundial, como a ausência do Brasil influenciará na briga pelos pontos?Vai ser mais fácil para os demais. Nas eliminatórias sempre há duas vagas garantidas: Brasil e Argentina. Os outros precisam lutar pelo que sobra. Também nunca se deve descartar o Uruguai e o Chile passou pelas últimas eliminatórias de maneira extraordinária. O nível está muito equilibrado. O Bielsa mostrou serviço e classificou o Chile em segundo lugar, uma colocação muito boa, sem precisar fazer contas. Por isso, estas eliminatórias vão ser competitivas e duras, como sempre foram. Mas pelo fato de o Brasil não estar, todos entrarão com mais vontade.
Você sempre se caracterizou pela honestidade e franqueza na hora de falar. Acha que às vezes isso joga contra?A minha avó dedicou quase 25 anos da sua vida para que eu fosse honesto. Ser honesto não é uma virtude, é uma obrigação. Fui ensinado a dizer o que penso e o que acredito na hora certa. Não tenho discursos preparados ou preconcebidos para falar sobre uma situação ou um jogo, porque também não posso mandar as pessoas calarem a boca se elas veem que o meu time jogou bem ou mal. Mas às vezes sei que as pessoas acham que é preciso mentir um pouco para serem mais respeitadas.