Italianos são naturalmente apaixonados por clássicos. Entre os mais tradicionais estão aqueles que opõem dois clubes de uma mesma cidade, como acontece em Milão, Turim, Gênova e Roma, ou de uma única região, a exemplo dos confrontos entre os times de Palermo e Catânia. Muito além das fronteiras geográficas, no entanto, situam-se os clássicos nascidos de rivalidades históricas. E, dentro desta categoria, nenhum outro duelo supera o choque das gigantes Juventus e Internazionale, conhecido simplesmente como "o dérbi da Itália".
OrigensNão se sabe exatamente quando o confronto foi batizado, mas Gianni Brera, jornalista esportivo italiano mais influente do século XX, utilizou a expressão pela primeira vez na temporada 1967/68. Brera era poderoso no mundo do calcio e, não raro, palavras suas saíam das páginas de jornal para enriquecerem o folclore do futebol local. Foi ele também que, nos anos 60, classificou de "catenaccio" a filosofia tática defensiva característica da Itália.
Embora tenha nascido em 1898, a Série A tomou impulso apenas em 1929, com a unificação dos grupos regionais. A Juventus, fundada em 1897, logo se impôs como coestrela do dérbi da Itália com uma incontestável supremacia na competição, da qual é, até hoje, a maior vencedora. Já a Inter de Milão, que surgiu de uma cisão entre torcedores do Milan em 1908, permanece como a única equipe italiana a nunca ter sido rebaixada. A predileção de Brera pela dupla certamente tem raízes no extraordinário predomínio de ambos nos dez primeiros anos do novo formato de disputa, quando os adversários eram meros coadjuvantes.
Ainda que o Milan, fundado em 1899, reivindique atualmente uma vaga entre os dois maiores protagonistas do futebol nacional em razão dos seus títulos, para os torcedores, o dérbi da Itália é e sempre será o embate entre Bianconeri e Nerazzurri.
NúmerosNa primeira edição do clássico centenário, disputada em Turim no dia 14 de novembro de 1909, a Juventus venceu por 2 a 0 com gols de Ernesto Borel. Desde então, os rivais se enfrentaram 215 vezes em partidas oficiais. Até antes do confronto de 13 de fevereiro de 2011, em Turim, a esmagadora superioridade da Juve se traduz em 95 vitórias, 53 empates e 67 derrotas. As diversas gerações de artilheiros da Velha Senhora marcaram nada menos que 307 gols, contra 270 sofridos. Nas partidas válidas apenas pelo Campeonato Italiano, a vantagem dos Bianconeri se mantém, com 81 vitórias, 46 empates e 56 derrotas, embora a Inter de Milão tenha conseguido diminuir a diferença nas últimas cinco temporadas.
Jamais as redes balançaram tanto quanto no clássico de 10 de junho de 1961, em que a Juve goleou o time reserva do rival por 9 a 1. O clube de Turim também detém a vitória mais elástica fora de casa: 6 a 2 em Milão no dia 19 de junho de 1975. Por outro lado, o meio-campista ítalo-suíço da Inter, Ermanno Aebi, foi o único jogador a marcar quatro gols num mesmo confronto, em ocasião dos 6 a 1 que os Nerazzurri impuseram em novembro de 1911.
CuriosidadesNo topo da lista de artilheiros do clássico da Itália está ninguém menos que o grande Giuseppe Meazza, com 12 gols. O craque que deu nome ao estádio da Inter realizou a façanha de balançar as redes em três décadas diferentes. Foram dois gols na vitória dos milaneses por 3 a 1 no último dérbi da temporada 1928/29 e mais três na goleada por 4 a 0 em 1935/36. No único ano que passou em Turim, em 1942/43, Meazza marcou uma vez para a Juventus nos 4 a 2 do primeiro turno e outra na derrota por 3 a 1 do duelo de volta.
Outro nome que se confunde com a história do confronto é o de Roberto Boninsegna, atacante que também vestiu ambas as camisas e anotou 12 gols, dos quais sete pela Inter na Copa da Itália e três numa mesma partida defendendo a Juve. Fortemente identificado com as cores nerazzurri, Boninsegna se revoltou contra o presidente do clube quando soube que havia sido negociado com a equipe de Turim: "Vá você para a Juve!", disse o artilheiro.
Com 135 gols marcados em 215 jogos pela Velha Senhora, Omar Sívori escreveu um capítulo à parte na história do clássico. No dia 16 de abril de 1961, o Estádio Communale de Turim estava lotado para o dérbi decisivo na corrida pelo título. "Tinha gente em tudo quanto é lugar, até mesmo em cima do banco do Helenio Herrera, mas não havia um perigo real", recorda o defensor nerazzurro Aristide Guarnieri. Mas depois de uma bola da Inter no travessão ter provocado confusão nas arquibancadas, o árbitro decidiu interromper a partida aos 31 minutos do primeiro tempo.
Considerada, no tapetão, a vencedora da partida por 2 a 0, a Inter assumiu a liderança da liga. Mas no dia 3 de junho, a uma rodada do fim do campeonato, a federação italiana julgou um recurso da Juventus e determinou que a partida deveria ser disputada novamente. Irritado, o presidente Angelo Moratti, pai de Massimo, o atual mandatário, decidiu enviar a campo o time de juniores. Em 10 de junho, a Juventus aplicou uma impiedosa goleada de 9 a 1, com direito a seis gols de um impetuoso Sívori, conquistando o título.
Esse jogo histórico também marcou a despedida de Giampiero Boniperti, que fez 179 gols em 444 partidas pela Juve e é hoje presidente honorário do clube. Ao final dos 90 minutos, Boniperti retirou as chuteiras e as entregou ao massagista, dizendo: "Fique com elas, porque não servirão mais para mim. Hoje, eu deixo o futebol."
Nesse mesmo dia, a Inter havia escalado um certo Sandro Mazzola na sua equipe de juniores. "Quase não pude disputar aquele jogo, porque eu tinha uma prova importante do meu curso de contabilidade no mesmo dia", diverte-se o ex-meio-campista ao relembrar o início da carreira. "Os meus pais achavam que os estudos estavam acima do futebol, mas felizmente eles cederam e, depois de fazer o exame pela manhã, pude seguir para Turim em um carro do clube."
Quanto a Pietro Anastasi, outro artilheiro de ofício da Juventus, cabia a especialidade de fazer gols relâmpago. Em 1968/69, ele marcou aos 2 e aos 10 minutos do primeiro tempo na vitória por 2 a 1 fora de casa. Na temporada seguinte, em Turim, o gol saiu ainda mais cedo, no primeiro minuto, e a equipe voltou a ganhar pelo mesmo placar. Por fim, Anastasi voltou a balançar as redes aos 2 minutos em derrota por 3 a 1, no ano de 1972, e em goleada por 6 a 2, em 1975.
Embora seja frequentemente decisivo para a definição do título, o clássico sempre foi disputado numa atmosfera passional sem nenhum incidente grave. Mas a tensão tem aumentado desde 2006, quando a Juventus teve dois títulos cassados no caso "Calciopoli" (em que ficou comprovada a manipulação de resultados) e a Inter foi declarada campeã daquele ano.
Hoje, Massimo Moratti fala de uma "rivalidade patológica, esportivamente falando, que sempre existiu e sempre existirá", e dá a sua própria definição para o duelo entre os dois gigantes do futebol italiano: "O dérbi é o futebol, as memórias, as emoções, as angústias, as alegrias e tristezas. É o encantamento e o espetáculo. Tudo isso é o dérbi."
A rivalidade hojeA partir de 2006, a Inter de Milão não encontrou mais adversários à altura na Série A, conquistando cinco Scudettos consecutivos. Mas após a saída de José Mourinho, a equipe teve um começo de temporada instável, prejudicada principalmente por uma incrível onda de contusões. Ainda assim, os campeões europeus conquistaram a Copa do Mundo de Clubes da FIFA 2010. Com a chegada de Leonardo ao comando do time, em substituição a Rafael Benítez, os Nerazzurri reencontraram o bom futebol e diminuíram a diferença em relação ao líder Milan para apenas cinco pontos, com uma partida a menos.
Afastada da briga pelo título, a Juve de Luigi del Neri também teve de enfrentar uma série de lesões. Em um campeonato disputadíssimo, ela se encontra a quatro pontos da vaga para a Liga dos Campeões e a seis da grande rival — uma diferença que a Velha Senhora pretende reduzir em Turim, no próximo dia 13 de fevereiro, após o empate sem gols do primeiro turno.